Nesta semana, movimentos voltaram a debater sobre o tombamento do Encontro das Águas, no Amazonas. O assunto vendo sendo discutido há mais de dez anos. Além de apoiar o tombamento, os grupos alertam para os impactos ambientais da possível construção de um porto na região da Ponta das Lajes, em Manaus, perto do encontro dos rios.
No Amazonas, o Encontro das Águas é resultado da confluência dos rios Negro e Solimões. As águas dos dois rios – um de cor escura e outro de cor barrenta – não se misturam. O fenômeno natural atrai curiosos e turistas, que fazem passeios de barco até o local.
O encontro entre rios que não se misturam é registrado em outras partes da Amazônia. Em Santarém, no Pará, por exemplo, ocorre o Encontro das Águas dos rios Tapajós e Amazonas. O Governo do Pará reconheceu, pela Lei 8.062, de 30 de setembro de 2014, o fenômeno registrado em frente a Santarém como patrimônio cultural de natureza imaterial do Pará.
Discussão em Manaus
A homologação do tombamento do Encontro das Águas como patrimônio cultural e natural da Amazônia entrou na pauta de um webinar realizado na noite de quarta-feira (24/3), pelos movimentos Ficha Verde, SOS Encontro das Águas e Fórum das Águas.
No evento, houve debate sobre a possibilidade de construção de um porto de descarga no Encontro das Águas, em Manaus.
Participaram do debate o deputado federal e membro do Fórum das Águas, José Ricardo, o doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade CPDA/UFRRJ, André Bazzanella e a membro do SOS Encontro das Águas, Elisa Wandelli.
Luciana Valente, integrante do Ficha Verde, mediou o evento, que contou com a participação do poeta e músico, Celdo Braga. Ele declamou o poema ‘Encontro das Águas’, do escritor e poeta Quintino Cunha, que faleceu em 1943.
O deputado José Ricardo participa de mobilizações sobre o assunto há mais de dez anos, desde quando era vereador de Manaus. Ele afirmou que é a favor da construção de um porto em Manaus, desde que a estrutura não seja erguida na região do Encontro das Águas.
“Não tenho dúvida de que Manaus precisa de um novo porto, mas temos que trabalhar a preservação do Encontro das Águas e temos que continuar lutando pelo tombamento”, disse.
Na avaliação do parlamentar, a área deve ser explorada apenas pelo setor turístico, atraindo investimentos e apoiando economicamente os moradores da região.
“A defesa do tombamento do Encontro das Águas é uma pauta pela vida. Já houve uma grande mobilização sobre o assunto e também amplo estudo sobre as consequências e o impacto ambiental que podem gerar com a construção do porto na Ponta das Lajes, na região do Encontro das Águas. Muito foi falado, principalmente o setor empresarial falou sobre a necessidade de ter mais um porto em Manaus. Falaram que não vai gerar impacto e que vai atrair mais empregos para cidade. Mas, acredito que vários desses itens não foram comprovados”, destacou.
André Bazzanella, que participou do estudo técnico pelo tombamento, ressaltou que a região do Encontro das Águas possui valores agregados. São sítios arqueológicos e paleontológicos fundamentais para o entendimento da formação da Bacia Amazônica.
Segundo Bazzanella, o local é testemunho de um período histórico, referência ribeirinha com mais de 10 mil lendas na região e um ponto de encontro de várias culturas.
“O tombamento preserva a experiência humana em determinado território e tem uma série de outros valores agregados. É uma referência para o bioma amazônico e para o Norte. É uma síntese de tudo isso e com tudo o que se formou naquela região. Essa complexidade do Encontro das Águas faz com que ele seja único. É um conjunto complexo de bens e significados. Os navios parados em um porto no Encontro das Águas vão gerar consequências e uma série de danos”, alertou.
Defensora do tombamento, Elisa Wandelli agradeceu aos que lutam pela homologação do tombamento há 11 anos. Ela também exaltou as riquezas naturais do local. “O Encontro das Águas é a nossa maior indústria, alimenta nossa indústria do turismo, tem muita biodiversidade da nossa fauna aquática e terrestre e é muito rico. Lá, tem símbolos rupestres de todos os povos da Amazônia, é um berçário da vida aquática, local que recebe aves migratórias, local de geologia única. Enfim, a diversidade é muito grande na região”, disse.
De acordo com Elisa, a construção do porto provocará um intenso fluxo de embarcações de grande porte, o que pode prejudicar o meio ambiente e as populações que vivem no local. “Por isso, defendemos um processo contínuo de sensibilização para que tenha a homologação do tombamento. Também precisamos de um plano de gestão de todos os órgãos envolvidos, com projetos de sustentabilidade, manejo de pesca, agroecologia e agroflorestal para as populações ribeirinhas. Precisamos de projetos soberanos que vão levar sustentabilidade para os povos da região. Propostas que trabalhem seu potencial local e a indústria do turismo.
Ela também pediu apoio dos parlamentares. “A água tem que ser para vida e não para a morte. Por isso, dizemos não à instalação de mais indústria e de um porto no Encontro das Águas. Temos que colocar essa luta numa escalada internacional, para que seja recuperado, preservado e para que as populações de lá tenham uma qualidade de vida”, disse.
A mediadora Luciana Valente relembrou a questão do conflito social e das ameaças que alguns moradores da região sofreram por defenderem o tombamento. Ela também falou sobre as ações que estão no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o tombamento.