Manaus, 5 de novembro de 2024

Geral

Fotos: Reprodução
Fotos: Reprodução Fotos: Reprodução

Telefone faz 145 anos: conheça histórias sobre o aparelho

Saiba como o telefone mudou rotina de trabalhadores brasileiros.

Com informações da Agência Brasil

Graham Bell levou a fama e o dinheiro. Meucci, o reconhecimento tardio da invenção. Mas é com Cleonice, Roseli e Lúcia que a história do telefone é recontada diariamente. É por esse aparelho que brasileiros com diferentes profissões contam uma história que começou há 145 anos, quando foi feita a primeira comunicação oficial, por Alexander Graham Bell, em 10 de março de 1876.

O escocês era considerado o inventor do telefone até uma reviravolta em 2002, quando se reconheceu oficialmente o italiano Antonio Meucci como o verdadeiro pai da ferramenta. Em 2021, o tom de discagem continua ativo, com direito à nostalgia dos tempos das centrais telefônicas e orelhões e com a facilidade dos sinais digitais que fazem de tudo – até mesmo uma ligação.

Cleonice Santos em sua casa na roça. Foto: Registro pessoal

“Alô, é da rádio?”

A baiana Cleonice Santos mora em Uruará, no Pará, e divide o tempo entre a zona rural e sua casa no Centro da cidade. Desde muito nova, trabalha na lavoura e tinha dificuldades em se comunicar com a sua maior paixão: a Rádio Nacional. Depois que se mudou ainda criança de Itamaraju (BA) para Uruará, conheceu o orelhão funcionando e passou a ligar semanalmente para a Central de Ouvintes da Rádio Nacional, um canal único que ajuda a aproximá-la da emissora e mandar “sinal de fumaça” aos apresentadores. Segundo Cleonice, a Rádio Nacional é uma aliada na hora de mandar notícias a pessoas mais distantes. “Eu nunca precisei para mim, mas já liguei a pedido de uma amiga que queria encontrar um parente”, explica, satisfeita com o sucesso dessa missão.

Como se fosse a escalação da seleção brasileira, Cleonice sabe os nomes de praticamente todos os apresentadores da Rádio Nacional da Amazônia, com quem se comunicava antes só por cartas. “Demorava uns dez, 15 dias pra receber resposta, mas era uma alegria só”. Agora, com o telefone, ela pede músicas e manda “alôs” para a redondeza. Da rádio, já recebeu receitas e até sementes de uma árvore da apresentadora do Viva Maria, Mara Régia. “A moringa tem sido uma farmácia dentro de casa”, enfatiza.

Orelhão público Museu Telesp / Relatório Telebras 1985

Uruará tem cerca de 45 mil habitantes e 45% deles vivem na zona rural. Quando está na roça junto com seu marido, ela continua a se comunicar com a rádio pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. Outra vantagem no local onde mora é que o sinal de internet funciona bem e ela utiliza para se comunicar com os filhos. “Uso direto, ainda mais nesses tempos de pandemia”, diz Cleonice.

A agricultora familiar conta que teve contato com o telefone, pela primeira vez, aos 35 anos. Hoje, aos 53 anos, tem ficado mais tempo na casa da cidade, onde estava acostumada com os orelhões como parte da vizinhança. A ficha de que não existiam mais orelhões pela rua caiu somente durante a entrevista. A expressão cair a ficha, inclusive, remete ao ato de colocar fichas no aparelho para ativar o crédito disponível para a ligação – em 1982, houve o surgimento dos cartões telefônicos, a partir da invenção do engenheiro brasileiro Nelson Guilherme Bardini. “Aqui os orelhões sumiram, mas fiz uma viagem recente ao Paraná e vi muitos deles bem conservados, bacana mesmo”, diz.

Museu do Telefone / Registro pessoal de Roseli Cipriani

“Telefonista, faz um DDD”

Assim como Cleonice, Roseli Cipriani também tem uma casa na roça, mas trabalha diariamente em frente à Praça José Bonifácio, no Centro do município de Bragança Paulista. Quando criança, a servidora pública da prefeitura estava acostumada a acompanhar seus pais ao Centro da cidade em busca de uma chamada interurbana bem-sucedida.

“Enquanto eles faziam compras na cidade, eu ficava no posto da Telefônica para esperar a chamada…. Às vezes demorava duas horas pra conseguir falar em São Paulo. Por volta de 1975 até 86, foi assim…. ligações interurbanas só no posto ou quem tinha o privilégio de ter uma linha fixa em casa”, conta. No caso de sua família, esse privilégio chegou apenas em 2000, quando tinha 34 anos. Assim, pode, finalmente, ligar para fora da cidade sem sair de casa.

O posto a que ela se refere ficava no prédio do Museu do Telefone, antiga Companhia Rede Telephonica Bragantina. A empresa foi instalada no local em 1908, mas virou o primeiro museu do telefone do Brasil em 28 de outubro de 1976. Por dez anos, coexistiram museu e o posto de interurbano. “O posto era no primeiro andar. Com a abertura do museu, o posto subiu e o acervo desceu para o térreo”, lembra Roseli.

Em agosto de 2019, a prefeitura de Bragança Paulista comprou o museu da Telefônica. Ele foi o primeiro do tipo a abrir no Brasil. Lá estão expostos os aparelhos mais antigos, a mesa da telefonista com os cabos de conexão e várias curiosidades sobre a história das telecomunicações.

Roseli conta que, se pudesse, preferiria viver somente conectada ao telefone fixo, apoiada por cartas, e sem tantas parafernálias tecnológicas. Mas é de um celular, usando um aplicativo de mensagem instantânea, que consegue se comunicar com a reportagem.

“Sabe, tenho um pouco de dificuldade para entender essa tecnologia…. O telefone pra mim é uma das maiores invenções da humanidade. Hoje é a ferramenta de trabalho de praticamente boa parte de profissionais como você! Sem sair de casa, neste momento tão difícil que estamos vivendo…. Você trabalha, se conecta com o mundo… Se vê pela câmera de um aparelho celular ….. Quem não acompanha essa evolução ficou parado no tempo”, explica.

Atualmente, o município de Bragança Paulista está na Fase Vermelha da pandemia e Roseli precisa do sinal de telefonia e dos dados móveis mais do que nunca. Ela atua como monitora do Museu do Telefone. “Para minha surpresa, um dia minha chefe me disse para substituir uma pessoa de lá. Foi uma experiência maravilhosa”, lembra.

Já são 15 anos assim, diante de aparelhos cheios de números, estudantes e adultos curiosos. Mas agora, sem público presencial, ela presta assistência pelo trabalho remoto (home office), ao lado de vacas, galinhas, fogão de lenha, terreiros de terra batida e, claro, do aparelho celular. “Sim, eu moro na roça de verdade…” Mas em uma roça devidamente conectada, ou nem tanto: “Minha internet desaparece aqui na roça”. Pausa: “Lá se foi o sinal. Caiu de novo!”

Lúcia Chayb em sua casa-redação. Foto: Registro pessoal

“Me manda um telex”

Era 1972 e o Sistema Telebras tinha acabado de ser criado pela Lei nº 5.792, com previsão de ser gerido por uma operadora nacional e internacional: a Embratel. Nesse mesmo ano, a septuagenária jornalista Lúcia Chayb tinha apenas 21 anos de idade, e chegava ao Rio de Janeiro para estudar e trabalhar no consulado do Chile. Instalou-se no Leme e fez amizade com o proprietário de um quarto-sala alugado, onde morou por 18 anos. Com o tempo, o dono decorou o apartamento com vários bens de luxo: linhas fixas de telefone.

“O proprietário fazia negócios com telefones e pediu alguns para instalar no meu apartamento. Assim, eu tinha a minha linha, mas podia usar as dele de graça.” De acordo com informações do site da Telebras, até o final da década de 1970 havia 5 milhões de terminais instalados, ao custo individual de aproximadamente US$ 2 mil. A própria Lúcia chegou a ganhar algum dinheiro vendendo as ações do número de telefone que tem até hoje. “Mas quem ganhou mesmo foi o proprietário do apartamento”, brinca.

Lúcia empolga-se em contar como foi a relação entre o telefone e a criação da primeira revista sobre meio ambiente, a ECO21, lançada por ela e pelo marido, o também jornalista e correspondente internacional René Capriles, em 1990. “Por causa da revista, a gente tinha proximidade com a Embratel, que queria se ajustar à questão socioambiental para a ECO-92 [conferência mundial que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992]. Assim, quando surgiu o primeiro celular, eles mandaram pra nós dois celulares enormes liberados para testar, trabalhar”, lembra.

A redação da revista, que ainda hoje é tocada pelos dois, era dividida com correspondentes internacionais. O contato com o exterior exigia recursos tecnológicos de ponta: “Na sala tinha um aparelho chamado telex, que era conectado ao telefone, e recebia as informações como se fossem datilografadas”. Partindo do telex, uma espécie de impressora de telégrafo, a sua lembrança sobre o avanço tecnológico do telefone chega ao fax.

Ela conta que, durante a cobertura da ECO-92, a atenção da sala de imprensa parecia estar toda voltada ao sinal do fax. Diferente do telex, o fax era capaz de imprimir páginas com textos e imagens. “Em todas as áreas de imprensa internacional – no aterro do Flamengo, no Fórum Global, quanto na própria conferência dos chefes de Estado – o fax era a atração principal. Hoje em dia, está fora de uso. Fica tudo ali, na ponta da mão, no celular”. Para se ter uma ideia, a internet passou a ser comercializada no Brasil somente dois anos depois, em 1994.

Nesse último ano, a pandemia exigiu do casal de jornalistas maior permanência em casa, mas Lúcia conta que a revista já havia se mudado para seu apartamento próprio, também no Leme, ainda em 2000, onde acumula o papel de síndica. Ao enxugar gastos e envolver os filhos no processo de produção, a jornalista conseguiu manter a revista impressa até março de 2020. Agora, todo o processo passou a ser online.

Chamada a cobrar

Se você pudesse fazer uma chamada ao futuro para perguntar como anda a evolução do telefone, o que você imaginaria ouvir como resposta?

Em busca de previsões, Cleonice, Roseli e Lúcia enxergam que a grande invenção já está presente: o celular com internet. “A gente aperta ali, acabou de fechar a boca, a pessoa já tá respondendo a gente bem rapidinho, mas acho que vão vir coisas mais avançadas ainda no celular.”, diz Cleonice.

No caso de Lúcia, ela afirma que a idade e os avanços dificultam um pouco. “Os idosos têm dificuldade de apertar um botão ali, aqui. Agendar vacina, INSS é difícil. No meu caso, fui entrando nas novas tecnologias quase que automaticamente. Mas prefiro estar com as pessoas, adorava quando tinha a revista impressa”. Cleonice também concorda que a tecnologia tem ajudado a diminuir o contato humano. Para o futuro, ela não duvida que um dia nem aparelho existirá. “Seremos chipados”, ri digitalmente com vários “kkk” para acompanhar.

Enquanto o futuro não chega para tirar à prova as previsões, o passado continua preservado tanto nas memórias de Cleonice, Lúcia e Roseli, quanto em museus e reportagens. Em junho de 2011, o videorrepórter Rodrigo Leitão entrevistou o sexagenário Hélio Forte. Na época, aos 66 anos, Hélio vendia, comprava, consertava, restaurava e também fabricava telefones com design original ou réplicas sob demanda. A trajetória de Hélio mostrava o quanto sua paixão e vaidade com os aparelhos o havia transformado em um “mestre dos telefones”.

“Os primeiros telefones, de 1880, 1890, vinham muito arrebentados. E meu prazer era restaurar e aprender também, porque mexendo você ficava conhecendo as peças…Hoje eu sou considerado um dos melhores do Brasil”, disse o restaurador na ocasião da entrevista.

Infelizmente, seu Hélio faleceu em 2015 e sua loja em São Paulo foi fechada permanentemente. “Ele já saiu daqui para outro plano. Não deixemos de agradecê-lo de alguma forma”, comenta Rodrigo, na expectativa de que o vídeo que produziu possa contribuir com a memória e homenageá-lo postumamente.

A história de Hélio Forte está disponível no canal do YouTube do repórter – e muito provavelmente, acessada diretamente da tela de um telefone celular. Assista:

COMPARTILHE

error: Este conteúdo está protegido!