Manaus, 29 de março de 2024

Amazônia

Foto: Emiliano Esterci Ramalho/Divulgação
Foto: Emiliano Esterci Ramalho/Divulgação Foto: Emiliano Esterci Ramalho/Divulgação

Onças podem passar um terço da vida sobre a copa de árvores em áreas alagadas na Amazônia

Assim, elas caçam, se reproduzem e criam literalmente sobre as águas.

Com informações da assessoria

Um estudo publicado no dia 26 de fevereiro deste ano, na revista científica Ecology, mostra que as onças-pintadas que habitam áreas alagadas da Amazônia podem passar, praticamente, um terço de sua existência sobre a copa de árvores. Isso significa que as onças caçam, se reproduzem e criam seus filhotes literalmente sobre as águas.

O estudo captura um estilo de vida inédito para grandes felinos, que precisam de grandes quantidades de alimento para sobreviver e até agora eram considerados terrestres. Apesar das onças frequentemente usarem as árvores para descansar, caçar e evitar a presença de predadores, não há registro de comportamento semelhante para outro grande predador terrestre de topo de cadeia.

Foto: Emiliano Esterci Ramalho/Divulgação

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, é um exemplo de habitat desses animais. O local é uma ilha de mais de um milhão de hectares.

A reserva é composta inteiramente de florestas de várzea, ou seja, de áreas alagadas. Durante um terço do ano, até 10 metros de profundidade separam espécies terrestres locais dos seus habitats, o que as obriga a adotar um estilo de vida arbóreo e semi-aquático ou migrar para sobreviver.

Apesar de parecer um ambiente ameaçador para um felino, um alto número populacional de onças vem sendo registrado pelas armadilhas fotográficas instaladas na floresta durante o período seco, despertando a curiosidade dos cientistas.

Segundo o pesquisador do Instituto Mamirauá, Emiliano Ramalho, que conduziu o estudo, apesar do comportamento peculiar ter sido observado pela primeira vez em 2013, permanecia incerto se ele poderia ser atribuído à toda população de onças da região ou apenas a alguns indivíduos da espécie.

“Ainda não estava claro para nós se algumas onças migravam e outras não, e se essa estratégia era usada apenas por indivíduos de determinado sexo ou idade, por exemplo”, disse.

Os pesquisadores supunham ser plausível que fêmeas com filhotes pequenos optassem por permanecer na várzea durante o período de inundação, evitando riscos à sobrevivência de sua prole, que vão desde atravessar grandes rios até o infanticídio pela interação com machos.

“Ficando na várzea, as mães estariam optando pela segurança num habitat sub-ótimo. Mas pela mesma hipótese da estratégia reprodutiva, era esperado que os machos migrassem em busca de recursos mais abundantes, preparando seu corpo para o próximo período reprodutivo, o que não aconteceu”, esclareceu Emiliano.

Durante seis anos consecutivos, os pesquisadores monitoraram por GPS oito onças adultas, quatro fêmeas e quatro machos. Todos os indivíduos permaneceram na várzea durante os longos períodos de inundação. Os resultados do estudo sugerem que os machos ficaram na várzea porque o período de cheia seria o escolhido pelas fêmeas para reprodução.

“A enchente dura de três a quatro meses, aproximadamente a mesma duração da gestação das onças. Acasalando nesse período, elas garantem que seus filhotes nasçam durante a estação vazante, quando as águas estão baixando e as presas são abundantes, concentrando-se em lagos e córregos”, acrescentou.

Resumindo, abundância de comida aumenta as chances de sobrevivência dos filhotes durante os primeiros meses e também garante que eles serão grandes o suficiente para se mudar e nadar assim que a enchente anual estiver de volta.

Nenhuma combinação de tais estilos de vida foi relatada até hoje pela ciência para populações de quaisquer grandes predadores de topo. Isso levanta questões sobre o potencial impacto das mudanças causadas pelo homem, como a construção de hidrelétricas, ou mediadas pelo clima no regime de inundação anual que alimenta esse ecossistema, comprometendo a conservação da onça-pintada na Amazônia e o comportamento único que ela desenvolveu para sobreviver nesses ambientes alagados.

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