Manaus, 20 de abril de 2024

Entrevistas

Jender Lobato, presidente Boi Caprichoso. Foto: Reprodução
Jender Lobato, presidente Boi Caprichoso. Foto: Reprodução Jender Lobato, presidente Boi Caprichoso. Foto: Reprodução

Do sonho de infância a gestão visionária: Jender dribla desafios na pandemia e mantém ‘padrão Caprichoso’

O dirigente azulado recebeu o Portal Edilene Mafra para uma entrevista.

Por Eliena Monteiro e Edilene Mafra

Após conquistar um sonho de infância e virar presidente do Boi Caprichoso, Jender Lobato conseguiu mais um feito: ganhou um ano a mais à frente do bumbá. A quase unanimidade dos votos demonstra a aprovação da gestão do advogado entre os sócios, incluindo ex-presidentes. O dirigente azulado recebeu o Portal Edilene Mafra, no Curral Zeca Xibelão, em Parintins, para uma entrevista exclusiva. Durante o bate-papo, ele contou como adquiriu confiança e explicou as estratégias para driblar os desafios da pandemia e manter o que ele chama de ‘padrão Caprichoso’.

Antes da Assembleia Geral Extraordinária, realizada na noite dessa segunda-feira (9/8), a prorrogação do mandato era dada como certa. A gestão Jender Lobato contribuía para isso. O presidente evitou que o Curral Zeca Xibelão fosse a leilão, reduziu as dívidas do Boi Caprichoso e manteve os pagamentos dos artistas.

Jender Lobato, presidente Boi Caprichoso. Foto: Reprodução

Jender também apostou no diálogo com os demais setores do boi azul e branco. “Quando eu entrei no caprichoso, eu acabei com a divisão de grupos. Eu sempre dizia que o nosso adversário é o ‘contrário’, não são as pessoas dentro do nosso boi”, afirmou.

“Quando eu entrei no caprichoso, eu acabei com a divisão de grupos”.

Jender lobato

O cenário favorável à continuidade da gestão levou o gestor a convocar a assembleia geral. A continuidade na presidência permitirá que o presidente consiga colocar o Boi Caprichoso para disputar no Bumbódromo duas vezes, se o Festival Folclórico de Parintins for retomado a partir de 2022. Por causa da pandemia, o festival não pôde ser realizado em 2020 e 2021.

Jender conquistou mais um ano à frente do Caprichoso e ficará na presidente do Boi até 2023. Foto: Pedro Coelho/Boi Caprichoso

Gestão

Jender Lobato assumiu a presidência do boi azul e branco em setembro de 2019, aos 36 anos de idade. Em quase dois anos de mandato, ele direcionou a maior parte do tempo e das energias a uma verdadeira luta pela sobrevivência do bumbá, que já acumulava uma dívida de aproximadamente R$ 13 milhões e passou a sofrer com a crise da pandemia.

O sonho de infância impulsionou o menino da Francesa, que cresceu no curral do touro negro, a driblar os desafios na busca pela superação das crises sanitária e econômica. Como presidente da agremiação, Jender usa criatividade, ousadia, estratégias e tecnologia no modelo de gestão. Se dividiu entre equilibrar as finanças e garantir que o espetáculo não deixasse de acontecer.

Jender, que cresceu brincando no Boi Caprichoso, sonhava em presidir o bumbá. Nas redes sociais, ele fez esta montagem e brincou com a situação. Fotos: Reprodução/Redes Sociais

E como dizem que o termômetro do desempenho de um presidente é a evolução na arena do bumbódromo, Jender sonha em poder ver o ‘touro de estrela na testa’ conquistar a taça de campeão no próximo Festival Folclórico de Parintins, previsto para junho de 2022. “Eu penso que não tem felicidade maior para um torcedor do Caprichoso, como eu, poder descer com a taça de campeão. Se Deus quiser, eu vou ser abençoado com isso”, disse, durante a entrevista.

Durante a conversa, o presidente do boi azulado também falou sobre como a agremiação tem se preparado para a formação das futuras gerações, sobre a relação com ex-presidentes, orçamento, entre outros assuntos.

Confira, a seguir, as perguntas feitas pelo Portal Edilene Mafra e as respectivas respostas do presidente do Boi Caprichoso.

Jender conquistou mais um ano na presidência do Boi Caprichoso, em assembleia realizada na noite dessa segunda-feira. Foto: Arleison Cruz/Boi Caprichoso

Confira a entrevista

PEM – Estamos em um ano de retomada após o início da crise da Covid-19. Parintins foi uma das cidades do Amazonas que mais sofreram com a pandemia. Como tem sido enfrentar os desafios enquanto presidente do Boi Caprichoso?

Jender Lobato – Na verdade, essa crise veio para que a gente pudesse criar novos hábitos. Não foi fácil chegar até aqui. Não foi fácil comandar o Caprichoso num momento tão difícil, em que nós deixamos de empregar muitas pessoas, em que nós deixamos de fazer aquilo que a gente mais sabe fazer que é o Festival de Parintins, a nossa festa como um todo.

Nós tivemos que superar muitos obstáculos, principalmente conter as despesas. A austeridade foi o fator principal para que nós pudéssemos sobreviver a essa pandemia, a essa crise toda. E, graças a Deus, eu penso que o pior já passou.

A gente conseguiu manter as atividades de forma reduzida, mas conseguimos ficar de pé. Nós vergamos, mas não quebramos. Nós montamos várias ações solidárias, ações sociais. Penso que o Caprichoso foi a associação cultural do Norte, quiçá do Brasil, que mais distribuiu cestas básicas para o seu povo.

Conseguimos ajudar os artistas, na medida do possível com a distribuição de quase 30 toneladas em cestas básicas. Distribuímos, em geral, para os nossos brincantes, dançarinos, marujeiros e sócios que estavam necessitados. Nós distribuímos, também, cestas básicas, luvas e máscaras para os hospitais. Nós ajudamos os povos indígenas. Nós ajudamos os alagados da nossa área que abrange a Santa Rita, a Francesa e o Palmares.

Sabemos que a pandemia ainda não passou, mas, graças a Deus, com a vacinação, nós temos a esperança de que ela vá passar e a gente possa retomar as nossas atividades. Tomamos algumas medidas para que possamos estar aptos assim que a pandemia for controlada e, quem sabe, possamos comemorar o aniversário do Caprichoso, agora em outubro, no Curral Zeca Xibelão.

“Eu penso que não tem felicidade maior para um torcedor do Caprichoso, como eu, poder descer com a taça de campeão.

Jender lobato

PEM – Você cresceu dentro do Caprichoso. Desde menino, já brincava no boi. Nesses últimos anos, também fez parte de várias áreas dentro da agremiação e conhecia muito bem o funcionamento. Mas logo após chegar à presidência, em setembro de 2019, começou a pandemia. O que você destaca desta gestão de pouco mais de um ano?

Jender Lobato – Costumam dizer que a gente aprende no amor ou na dor. Às vezes, a gente aprende mais na dor do que no amor. Eu aprendi, nessa pandemia, que a gente realmente precisa ter um planejamento. Ao longo de muitos anos, trabalhei com vários presidentes do Caprichoso. Todos eles tinham pontos negativos e positivos e eu aprendi muito com esses pontos para que, quando chegasse a minha vez, eu pudesse fazer diferente do que eu achava errado e pudesse fazer igual o que eu achava correto. Hoje, a nossa maior virtude como gestor é a luta pela diminuição das dívidas.

Mesmo que tenha acontecido uma pandemia enquanto estou à frente do Caprichoso, eu fui abençoado por conseguir pagar o nosso povo em dia. Eu trabalho muito forte pra isso. Uma das grandes bandeiras da nossa gestão é pagar os artistas em dia. Eu quero deixar isso pro futuro. Quero acabar com a história de não pagar as pessoas e de comprar e não pagar.

Em todas as ações que realizamos, ao fim, conseguimos pagar a todos. Assim foi nas lives, incluindo a do Festival deste ano; e com a reforma do Curral Zeca Xibelão. Inclusive, nós poderíamos ter contratado uma empresa para a reforma do curral, mas precisávamos ajudar os artistas. Então, toda a reforma do nosso curral foi realizada pelos nossos artistas, nos mínimos detalhes. E é dessa maneira, beneficiando os artistas, que a gente vai levar.

Outra linha de atuação diz respeito a questões jurídicas. É a administração de ações trabalhistas. Temos levado esse assunto muito a sério e alcançado êxito nas audiências. Estamos fazendo um trabalho de preparação para o futuro. Eu carrego esse fardo pesado, no bom sentido, porque a nação azul e branca confia muito no nosso trabalho. O meu amor pelo Caprichoso é algo que vem de berço. Eu cresci no Caprichoso, desde criança, eu brinco boi no Caprichoso. Eu sou da Francesa, do Palmares. Meu pai, minha mãe e toda a minha família também.

Eu vou dar um exemplo. A gente não tem renda, então, eu criei a campanha solidária ‘Adote um vigia’, nas redes sociais do boi. E as pessoas foram nos ajudando, ao adotar os vigias. Ao invés de termos que pagar dez vigias, a gente conseguiu que adotassem sete vigias. A gente não tinha dinheiro para pagar os dez, mas tínhamos dinheiro para pagar três. As pessoas nos ajudaram, uns adotaram por três meses, outros adotaram por dois meses. Assim, fomos criando mecanismos para que chegássemos vivos até aqui.

Então, a responsabilidade é muito grande, é preciso administrar o boi com um belo trabalho artístico, sem esquecer dessa parte administrativa. Eu sempre digo que os patrocinadores do Festival não dão dinheiro para que a gente possa fazer gestão. O resumo de todo esse trabalho é que a gente possa desenvolver um grande festival. O Caprichoso e toda a torcida é acostumada com grandes espetáculos. E a nossa gestão não vai fazer diferente, a gente também vai promover grandes espetáculos dentro de um planejamento. É preciso tirar parte da renda dos espetáculos para diminuir, a cada ano, os débitos do boi.

Mesmo na pandemia, conseguimos pagar muitas coisas, fazer acordos trabalhistas e cíveis, que com certeza vão diminuir os débitos do boi. Eu tenho certeza absoluta que, quando terminar o nosso mandato, vamos entregar o boi muito melhor do que recebemos ao próximo presidente. E da mesma forma, espero que o próximo presidente entregue ao seu sucessor muito melhor do que eu pude entregar. Precisamos deixar esse legado para que as futuras gerações possam aproveitar o boi como nós aproveitamos.

É preciso considerar que Parintins depende muito do boi. Nós não temos indústria aqui na cidade. A maior indústria que temos aqui é a do folclore, do Festival Folclórico de Parintins. É o festival que mexe com a economia da cidade. Aqui temos uma renda muito grande do ‘boi de pano’ e do ‘boi de carne’. Então, o boi é responsável por grande parte da nossa economia. E esses dois anos sem festival mexeram muito com a nossa economia.

Vou te dizer que tenho muito orgulho de presidir o Caprichoso. Infelizmente, eu não consegui fazer os festivais que eram inerentes ao meu mandato, mas a vida é assim, não é nada pessoal, a pandemia destruiu muitas coisas. Ela levou parte da história do Caprichoso porque nós perdemos pessoas muito importantes, parte da história do Caprichoso foi junto com a pandemia. Mas é isso aí, a gente precisa reconstruir, recomeçar, e estamos preparados para isso.

PEM – Você foi o presidente mais novo do Boi Caprichoso, eleito aos 36 anos. E com a pandemia, ainda não conseguiu realizar nenhum festival, sendo que esse feito é considerado ‘a prova de fogo’ para um presidente do boi. Diante do inesperado, você trouxe uma proposta a ser votada em assembleia. Explica essa proposta.

Jender Lobato – O presidente de um boi, diferente de um prefeito ou governador, que mesmo na pandemia continua administrando a cidade ou o estado, embora no estatuto não conste que o presidente do boi é eleito para fazer festival, a gente sabe que a mola propulsora de um presidente de boi é o festival. Todos os presidentes que passaram por aqui conseguiram fazer os festivais inerentes ao seu tempo de mandato, que é de três anos, atualmente.

Então, eu fui o único que ainda não conseguiu fazer um festival. Estou no meu segundo ano de mandato, indo para o terceiro e não pude fazer dois festivais. E depois de algumas conversas com muitos sócios e ex-presidentes do boi, pessoas influentes e que ajudaram a escrever a história do Caprichoso, chegamos à decisão de convocar uma assembleia. Eu sou contra modificar o estatuto e contra a prorrogação de mandato, mas acho que tenho o direito de que seja votado para que a gente possa ter pelo menos um festival dos dois que não aconteceram.

Eu conversei com várias pessoas para termos uma assembleia tranquila e continuar a harmonia dentro do boi. Quando eu entrei no caprichoso, eu acabei com a divisão de grupos. Eu sempre dizia que o nosso adversário é o ‘contrário’, não são as pessoas dentro boi nosso boi. E, graças a Deus, as portas do curral continuam abertas e todas as pessoas conseguem circular livremente por aqui. Eu consigo receber de forma carinhosa e aberta a todos.

PEM – Como sabemos, nesta pandemia, o Caprichoso perdeu pessoas que ajudaram a escrever a sua história. Como o boi tem se preparado para garantir a sua perenidade, sua sustentabilidade com a formação de suas futuras gerações?

Jender Lobato – A Escola de Arte do Caprichoso está fechada desde 2018. Nós assumimos a presidência do boi querendo reabrir a escola, mas reabrir de verdade, num formato sustentável. O grande diferencial do Caprichoso na questão artística, para o festival, é a escola de arte. A nossa Marujada não perde há muitos anos. Graças à escola, nós renovamos a Marujada, sem esquecer da nossa velha guarda. As nossas alegorias também não perdem há muitos anos, porque os artistas que fazem nossas alegorias foram renovados e aprenderam também na escola de arte.

Te digo que 90% dos artistas que fazem o carnaval nas escolas do Rio e de São Paulo são do Caprichoso. Os artistas do Caprichoso, hoje, são responsáveis pelos grandes festivais do Brasil. E isso tudo é graças à escola de arte. Então, a gente vai reabrir a escola de arte, exatamente para que esse amor e esse aprendizado se renovem, passando de geração para geração.

Ao mesmo tempo, queremos manter viva a história do Caprichoso com a criação do Centro de Memória do Caprichoso (Cedem). Muitas pessoas que partiram, agora na pandemia, chegaram a conceder entrevistas ao Cedem. O Cedem é um trabalho fantástico, que conseguimos realizar por meio da Lei Aldir Blanc. Por sinal, nós tivemos cinco projetos aprovados na Lei Aldir Blanc e a gente tem procurado utilizar muito bem esses recursos que nos ajudam a fortalecer o boi.

Além do Cedem contar a história do Caprichoso, nos permitirá criar uma grande exposição com os grandes nomes do boi. A gente vai criar na região do Curral o ‘Complexo Cultural Boi-Bumbá Caprichoso’, que deve integrar o Centro Administrativo do boi, Curral Zeca Xibelão e Escola de Artes Irmão Miguel de Pascale. Nós também vamos ter os monumentos, em tamanho real, dos que fizeram parte da história – Roque Cid, Luiz Gonzaga, Luiz Pereira, Zeca Xibelão e Arlindo Júnior. A ideia é que o curral se consolide como um ponto turístico da cidade, como tem sido após a reforma.

PEM – Diante do atual cenário, em que a pandemia parece estar mais sob controle, em um período que estão denominando de ‘retomada’, o que o Caprichoso está preparando para o ano de 2022?

Jender Lobato – A gente tem utilizado muito bem essa ferramenta que é a internet. O Caprichoso fez muitas lives. A gente até criou o chamado ‘padrão Caprichoso’, ao se fazer tudo com muita excelência. A gente utiliza as plataformas digitais para manter o nosso boi próximo do público. Hoje, a discografia completa do Caprichoso está disponível nas plataformas digitais. Na nossa gestão, nós lançamos três CDs, três álbuns digitais. Também lançamos um novo levantador de toadas [Patrick Araújo] e ele já gravou dois álbuns, ao vivo. E ele caiu nas graças na nação azul e branca.

A gente também preparou o curral pensando no pós-pandemia pra que a gente possa fazer um evento assim que acabar a pandemia. Parintins é uma das cidades do Amazonas em que a vacinação está mais adiantada. Aqui, as pessoas de 18 anos já tomaram a vacina. Estamos chegando a um percentual alto da população vacinada, pelo que tudo indica, nós vamos comemorar o aniversário da cidade, no dia 15 de outubro. E, de ser tudo certo, nós também poderemos fazer uma grande festa no Curral Zeca Xibelão para comemorar o aniversário do Caprichoso, no dia 20 de outubro. E isso pode marcar a retomada das atividades, mas é claro que só poderemos fazer tudo isso se as autoridades sanitárias permitirem.

No mais, a gente tem se preparado bastante. Estamos fazendo reformulações administrativas, além de muitas ações, para que tenhamos um saldo financeiro para começar com tudo. Pretendemos comemorar o Dia do Folclore, no dia 22 de agosto; criamos a loja do Caprichoso; conseguimos fazer compras no mercado da China para adquirir material com um custo muito menor; renegociamos muitos débitos; e estamos nos utilizando de estratégias de marketing para elevar o nosso boi cada vez mais.

Tentamos não mexer no orçamento do Festival de 2022 para que possamos ter ‘gordura’ para fazer um grande espetáculo. Não tenho dúvidas que vamos fazer um grande festival e consagrar o nosso boi campeão. Eu esperei muito para fazer o festival, esperei muito para ser presidente e depois que cheguei na presidência, estou esperando mais dois anos para fazer um festival. Agora, eu quero ser abençoado por Deus e descer com aquela taça de campeão do festival. Eu penso que não tem felicidade maior para um torcedor do Caprichoso, como eu, poder descer com a taça de campeão. Se Deus quiser, eu vou ser abençoado com isso!

Edilene Mafra entrevista o presidente do Caprichoso, Jender Lobato, no Zeca Xibelão, em Parintins. Fotos: Eliena Monteiro/PEM

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